Lisboa, abril de 2019, três da tarde, ouço o Sino da Basílica da Estrela.
Será que anuncia a morte da senhora que acabou de cair na entrada do Jardim?
A senhora de cabelos branquinhos e lisos, deveria ter um pouco mais de 80 anos. Estava com uma turma de senhoras e senhores, e caminhava apoiando-se nos braços de uma delas quando caiu em uma calçada toda distorcida pela força das raízes das árvores na entrada do Jardim.
Seu corpo continuava estático, e era possível ver uma poça de sangue no chão em volta de seu rosto. Toda gente passando com olhar curioso, alguns olhares de pânico e eu podia até ouvir os pensamentos dos amigos de grupo “Poderia ter sido eu”
A guia da equipe pede para que todos se sentem e aguardem. Aguardem???? Eu pensei quase que indignada.
Aguardar o que? A idade que chega? Um sopro de vida? Ou será que eles devem aguardar a morte?
É interessante notar que presencio esta cena e este sentimento exatamente após ter encontrado meu lugar de tranquilidade, meu refúgio em Lisboa: o Jardim da Estrela.
Talvez seja porque a vida e a morte são tão próximas, que elas se fundem no tempo e no espaço. Talvez porque renascer também é morrer. Nascer para o que liberta e morrer para o que limita.
Ouço vários idiomas ao mesmo tempo e me conecto ao mundo do outro através do olhar, não mais pelas palavras. A sirene do bombeiro quebra essa conexão e inicia o resgate da senhora que não se mexe, parecendo pedir “Me deixem aqui, estou bem, estou em paz, ouvindo o canto dos pássaros e da natureza”
La vai ela agora, com a cabeça branca, não mais pela cor dos cabelos, mas pela faixa que a envolve. Lá vai ela continuar sua vida. O sino da basílica toca novamente, e eu me lembrei da primeira vez que visitei Portugal, quatro anos atrás.
Assim como num filme, vieram à minha mente os Miradouros, o Castelo de São Jorge, a Praça do Comércio, a Torre de Belém, o Parque Natural de Sintra, os pastéis de nata, o cheiro da comida. Como não se apaixonar por esse país?
Eu nunca tinha experimentado essa vontade de morar fora do Brasil e durante essa semana em Lisboa, acho que meu mundo se ampliou.
Apesar desse desejo de liberdade estar pulsando forte em meu coração, parecia um sonho tão distante que era melhor nem pensar. Eu tinha uma vida boa e previsível, mas essa vontade de explorar o mundo foi tomando forma, o Universo foi criando possibilidades, e tudo foi se encaixando.
Decidi me mudar à Lisboa e deixei para trás tudo que me atendia no quesito “segurança”: família, casa, rotina, trabalho.
E cá estou eu agora, sentada no banco do parque da Estrela, minhas raízes são fortes como as raízes das arvores à minha volta, só que agora elas me abraçam, não me sinto mais aprisionada por elas.
Não tenho garantias nem certezas. Abandonei um futuro “previsível” para viver o total desconhecido. E lá vou eu, assim como a senhora, continuar a minha vida.
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